Muito
tempo atrás, escrevi um texto em que eu diferenciava o querer do querer mesmo –
o verbo acompanhado do advérbio de afirmação. Ou seria advérbio de intensidade?
Acho que de intensidade.
Querer, a gente quer muita coisa, mas quase sempre é um querer preguiçoso, que não nos impulsiona a agir. Querer mesmo significa abrir mão de uma série de confortos, tomar muito chá de banco e ver inúmeras ideias darem errado antes de darem certo – se é que darão certo. Querer mesmo escalar uma montanha, surfar uma onda gigante, filmar um documentário, trabalhar no Exterior e outras aventuras supostamente inatingíveis.
Querer, a gente quer muita coisa, mas quase sempre é um querer preguiçoso, que não nos impulsiona a agir. Querer mesmo significa abrir mão de uma série de confortos, tomar muito chá de banco e ver inúmeras ideias darem errado antes de darem certo – se é que darão certo. Querer mesmo escalar uma montanha, surfar uma onda gigante, filmar um documentário, trabalhar no Exterior e outras aventuras supostamente inatingíveis.
Anos depois, escrevi uma
crônica chamada Escritor Mesmo, reconhecendo a distância que havia entre mim e
aqueles que colecionam prêmios, têm alto padrão intelectual, são catedráticos,
virtuoses da língua e candidatos fortíssimos à Academia Brasileira de Letras.
Eu? Sou nada disso.
Agora faço uso novamente do
advérbio para diferenciar não os escritores, mas os leitores. Há aqueles que
leem, e aqueles que leem mesmo – e a crônica de jornal é um bom balizador desta
diferença. Na correria cotidiana, muitas vezes o leitor apenas passa os olhos
pelo o que está escrito. Tudo bem. Passar os olhos, hoje em dia, já é digno de
nota, mas o apressado corre o risco de se confundir. Por exemplo, domingo
passado recebi uma dezena de cumprimentos pela passagem do meu aniversário, o
que foi uma delicadeza, só que nasci em agosto. O que aconteceu? Aconteceu que
publiquei aqui neste espaço uma crônica fictícia – um pequeno conto – com o
título Algum dia, em que o personagem (masculino) sonhava em realizar vários
projetos mirabolantes, porém sem jamais levantar da cama e sem perceber a
passagem do tempo. A leitura do texto induzia a pensar que eram planos de um
adolescente, até que, ao final, o personagem comentava que no dia seguinte
completaria 58 anos.
Talvez por eu não ser uma
escritora mesmo, muitos não perceberam que era um homem falando. Acharam que eu
falava de mim. Que eu havia trocado de sexo, que eu tinha a intenção de morar
numa praia com uma gata, que eu desejava fotografar as aves do Mato Grosso, que
eu sonhava em ser guitarrista de uma banda em Berlim e que faria 58 anos no dia
seguinte (a propósito, tenho 56 – não minto a idade, mas aumentá-la, isso não).
Há os que querem, e os que querem mesmo. Há os escritores, e os escritores
mesmo. Há os que leem, e os que leem mesmo (pode incrementar a lista: há os que
amam, e os que amam mesmo; os amigos do Face, e os amigos mesmo…). Tudo anda
tão da boca pra fora, tão volátil, descartável, escorregadio, que a intensidade
tornou-se um diferencial a ser comemorado.
Martha Medeiros
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