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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A FOFOCA É A ARMA DOS FRACOS...

O que a obra de Shakespeare tem a ver com o mundo de hoje?
Tudo que ele escreveu é amplo e aberto. Shakespeare não discutiu só o amor em Romeu e Julieta mas também a possibilidade da paixão. O poder e o sentido da existência estão em Hamlet. O papel do dinheiro, em O Mercador de Veneza. A bobeira vaidosa da velhice, em Rei Lear. Tudo é muito contemporâneo. Somos nós que atualizamos Shakespeare. E ele dialoga conosco. Os clássicos funcionam como cidades: algumas, lindas, merecem só uma visita; outras, podemos rever todos os anos e tirar proveito. Shakespeare é uma cidade que precisamos reviver sempre.
Por que é importante aparecer feliz nas redes sociais mesmo sob crise, terrorismo e homofobia?
As coisas, em si, não são provocadoras de infelicidade. Vivemos o chamado mundo líquido, na pós-modernidade, onde perdemos a ideia da dimensão trágica da existência. Ela durou até a geração da minha avó. As fotos eram sérias, sem sorrisos ou explosões. Hoje, para conseguir emprego, ter amigos, estar presente no virtual e no real, você precisa ser otimista, dizer coisas divertidas e mostrar como sua vida é simpática. Quando isso não ocorre, interpretam que não está bem e deve ser medicado. Não que o remédio seja ruim. Mas tratar a tristeza é errado. Ela tem muita importância.
A vida está glamourizada. Mais de 1 milhão de selfies são publicadas todos os dias. Fotografamos tudo. Por quê?
Eu é que tento tornar a vida glamourosa, mas, na verdade, ela está mais cafona e comum do que nunca. É a fraqueza do meu narciso, do meu ego, que me faz exigir dos outros o reconhecimento de que minha vida vale a pena, é legal. A rotina continua sendo feita de relações difíceis, educação de filhos – que às vezes são ingratos –, um Natal bom e outro pavoroso. Tentamos uma narrativa glamourizada. Ela, porém, não supera a angústia, maior hoje que no passado. Vejo fotos de bons restaurantes, viagens maravilhosas, famílias perfeitas e sou obrigado a pensar o óbvio: “Por que eu escolho o prato errado, minha viagem não dá certo e tenho problemas em casa?”. Na verdade, a família de todo mundo é semelhante, mas uso a narrativa do bem para mim e coloco o mal no outro. Para o filósofo Schopenhauer, essa é a forma de eu evitar minha dor.
As pessoas ouvem música, teclam no celular, comem na esteira da academia. Por que tudo ao mesmo tempo?
Perdemos o foco. Há uma diluição em um vaivém sem sentido. O budista considera a distração um dos venenos da alma. Entramos no elevador olhando mensagens, mesmo que levemos uma vida pacata. Parecer ocupado faz com que os outros nos respeitem.

Você diz que a vaidade não é mais um pecado. Ela virou virtude?

Parece-me que os sete pecados capitais foram ressignificados. Assumir-se com defeitos faz parte, hoje, de um discurso distante do desvio de caráter. Só um continua sendo vergonhoso: a inveja – apesar de sermos a civilização da inveja. O invejoso olha demais para as pessoas. Por isso, não se vê. Já a ira é a qualidade dos que têm energia e proatividade. Avareza, do bom investidor, controlador de gastos. Gula representa o que não se dobra aos ditames sociais. Luxúria virou uma boa resolução sexual. Preguiça traz a oportunidade de ócio criativo e relaxamento. O orgulho – ou a vaidade soberba – soa como autoestima. O orgulhoso, no entanto, tem um problema: a incapacidade de se avaliar. Como se considera em altíssima conta, corre o risco de errar mais. E pode ser controlado: basta elogiá-lo para fazer dele o que quiser, embora ele acredite estar no comando.
Qual a diferença entre a inveja e a cobiça? Existe uma inveja boa?
A cobiça é a vontade de ter o que o outro tem e pode ser positiva: para falar inglês perfeitamente, como ele, vou estudar. Já a inveja é a tristeza pela felicidade do outro. É não tolerar a alegria e o prazer de viver que ele demonstra. Não há mais valor na humildade. Aceitamos qualquer elogio. Autoestima é indispensável? Todos dizem que você tem que gostar de si mesmo. Ora, algumas pessoas não são “gostáveis”, não incorporam valores. Se você os tem, não se trata de exaltá-los, e sim de tomar consciência deles. O sucesso está associado à afirmação da vaidade. “Eu posso!” Essa é uma das coisas que critico na teologia do empreendedorismo. Há uma leitura religiosa de que empreender resolve tudo. Ali, os pilares são: “Você pode, consegue, basta querer”. Nem sempre o querer é suficiente. O esforço faz toda a diferença, embora não seja igual nem produza o mesmo resultado para todos. Como toda autoajuda, a valorização da autoestima leva a crer que querer é poder. Isso faria do ser humano um deus. Mas, para o homem, o querer é apenas o início da ação. E pode terminar em nada.
Há, então, uma manipulação dos autores de autoajuda?
A autoajuda é a filosofia possível para certas pessoas. É difícil saber se o “conselho a ti mesmo”, de Sócrates, é muito diferente de um livro desses. Mas a boa filosofia incomoda, não tranquiliza, tira da zona de conforto. Sócrates manda questionar. A autoajuda leva a aceitar. Ela quer agradar ao consumidor, e não à pessoa.
Em Felicidade ou Morte, escrito em parceria com Clóvis de Barros Filho, podemos entender que a felicidade se tornou uma obrigação?
Sim. As pessoas perderam a dimensão da importância da infelicidade como efeito comparativo. Só posso saber se sou feliz com base na comparação. Há um imenso ganho em períodos de solidão. Eles iluminam minha vida porque estabelecem o único lugar que eu sou eu, de fato. Não é que a solidão seja boa em si. Estar acompanhado também nem sempre é bom. Desconfio de quem não consegue ficar só. Gosto de pessoas que transitam entre a ilha social e a da solidão.
Em seu livro A Detração – Breve Ensaio sobre o Maldizer, você afirma que falar mal do outro é universal. Por quê?
Somos inseguros. A primeira coisa para aumentar minha segurança é me juntar a você e achar um inimigo comum. Falamos mal de um terceiro e criamos uma aliança. O inimigo nos une. Se conto algo em segredo, eu me aproximo: estou lhe dando uma revelação e, ao mesmo tempo, criando um foco comum de maledicência. A fofoca é também a arma dos fracos, autodefesa. Uma pessoa bem-sucedida, bonita, rica e feliz – se é que ela existe – certamente não é fofoqueira. A detração é fruto da amargura, da vontade de buscar no outro um defeito: “Fulana é inteligente, mas não é casada”. Ao acusar alguém por um comportamento sexual específico, revelo minha dor, falo de mim, dos meus medos, do que me incomoda e é, enfim, o que desejo.
O homem não sabe como agradar à mulher: se paga a conta, abre a porta… Podemos dizer que está perdido?
Se dou meu casaco à minha companheira no frio, mostro que sou mais forte. Segundo a biologia, as mulheres são mais resistentes às infecções. A gentileza é um bem. Homens e mulheres devem ser gentis. Mas é preciso conhecer a pessoa para não exercer isso com paternalismo. Cavalheirismo não é ruim se a amabilidade é recíproca. Só não deve ser usado para exibir superioridade. A pessoa deve perguntar à outra se abrir a porta lhe agrada. A questão é não pensar na caixinha do gênero: supor que, sendo mulher, ela é frágil.
A mulher, em geral, lida mal com o fracasso de um parceiro. Em tempos de desemprego e perdas, como ela pode ajudá-lo?
É difícil continuar admirando alguém que, além de desempregado, reclama sem parar. Observe: revelamos mais de nós sob o fracasso. O sucesso funciona como máscara, faz a pessoa virar outra. Nós, porém, preferimos nos relacionar com o olho no ibope do outro, no dinheiro, nos bens. Há uma cena linda em O Diabo Veste Prada. A malvada-mor (vivida por Meryl Streep) está desconstruída em um hotel, com a maquiagem borrada, usando um roupão. Sua assistente entra e, finalmente, vê uma mulher à beira do divórcio e quase perdendo o emprego. Só aí a malvada foi ela mesma.
Leandro Karnal
http://claudia.abril.com.br/sua-vida/a-fofoca-e-a-arma-dos-fracos-diz-o-escritor-leandro-karnal/

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Tortinha de Bacon e Milho



Ingredientes da Massa:
2 ovos
1/3 xícara (chá) de azeite
200ml de leite 
1 xícara (chá) de farinha com fermento
1 colher (chá) de sal
2 colheres (sopa) parmesão

Ingredientes da Cobertura:
150g de bacon
½ cebola
3 colheres (sopa) de milho cozido
2 colheres (sopa) cheiro verde.
1/3 xícara (chá) de parmesão ralado

Modo de fazer no vídeo. :)

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segunda-feira, 17 de outubro de 2016

PRESENTEANDO GREGOS E TROIANOS...

Temo os gregos, mesmo quando dão presentes. A advertência foi feita por um ilustre troiano ao final da guerra. Ele suspeitava que o estranho cavalo diante das muralhas da cidade poderia ser uma armadilha. Não foi ouvido. Troia caiu. A desconfiança originou a expressão “presente de grego”.

Presentes são altamente simbólicos. Quem me oferece algo diz muito sobre nossa relação. Um presente ruim é recebido com estranheza dupla. Primeiro, não gosto do que recebo. Segundo, desconfio que traduza um equívoco de compreensão da minha pessoa. Uma oferta é uma radiografia das almas.
O campo é vasto. Um presente pode ser uma forma de controle. Dar algo que alguém não possa retribuir é uma forma de afirmar meu poder. Parte da questão foi tratada por Marcel Mauss no seu estudo clássico sobre a dádiva. Presentes falam muito além de seu simples pacote.
A boa educação e os sentimentos piedosos ensinam a aceitar qualquer coisa em nome do afeto contido no gesto. É um conselho sábio. Quem me presenteou, gastou algum tempo e algum dinheiro com isso. Em nome dos bons modos, todo pacote deve ser bem recebido. O presente é secundário, a intenção é central. Também é adequado empanzinar-nos de capim sem sal para que nossa saúde floresça com o viço das ervas ruminadas. Raramente o correto é gostoso. O caminho da virtude, por vezes, contém renúncia abnegada.
Um presente é um gesto de sensibilidade. Implica na abdicação do meu gosto para perceber o alheio. Muita gente dá algo para si, ao invés de dar ao outro. A primeira virtude do bom presenteador é evitar a universalização das afinidades estéticas e conceituais.

Do parágrafo anterior, emerge outro risco. Leandro ama vinho tinto? Que bom, eu estava numa cidade do interior e lá eles fazem um vinho maravilhoso... Trouxe para você! Voltamos ao sentimento piedoso: que bom que você se recordou do meu gosto. E ponto. Decisão silenciosa: a portaria do prédio será presenteada com a garrafa gestada nas vinhas da ira.
Não é uma arte fácil. Leandro gosta de ler? Vou dar um livro! Duas hipóteses: o livro é expressivo e bom e, nesse caso, há uma chance alta de eu possuir a obra. Hipótese alternativa: o livro é um horror, portanto, não o tenho e não desejaria tê-lo. E lá vamos à portaria de novo...
Presentes caros podem ser bem recebidos pelo valor em si ou porque demonstram que sou importante a ponto de a pessoa gastar mais comigo. Precisamos ressaltar: os presentes especiais são os que mostram o cuidado e não o valor.
Vejam um exemplo trivial. Vai presentear vovó? Uma toalha de rosto com o nome dela bordado é simples e barata. Será mais bem recebida do que um vaso com flores comprado a caminho da casa dela. O primeiro presente demandou certa antecedência e possui o toque especial do nome. O segundo sinaliza: tenho de levar algo, compro no caminho. Importante: nem toda pessoa mais velha gosta de receber sabonetes em todas as datas.
Faltou dinheiro? Conheci uma senhora que recortava gravuras bonitas de revistas, criando um cartão original. De novo: o cuidado torna o presente significativo. Meu tempo é, sempre, a entrega maior.
A boa oferta é definida no evangelho como o óbolo da viúva. Ao depositar as minúsculas moedas que lhe fariam falta, ela deu mais do que os ricos, que lançavam o que sobrava.
No filme A Pele do Desejo (Salt on Our Skin, 1992), a protagonista, sofisticada, ganha vários presentes ruins do namorado pescador. No final, ele acerta: uma âncora, pequena e significativa, uma peça-símbolo do que ele fazia e do que eram um para o outro. Ela fica emocionada. Ele aprendera que menos é mais.
Algumas pessoas emitem sinais do que desejam. Outras pedem diretamente. Ao contrário de mim, há quem se deleite com surpresas.
Além da pessoa, existe o momento. Nada de peso deve ser dado a quem vai pegar avião ou está em viagem. Um colega palestrante segredou-me que recebeu, ao final de um trabalho, uma enorme faca de churrasco. O objeto era quase uma espada. Faria soar alarmes até a sede da Otan. Como eu, quase todo viajante profissional não despacha bagagem. Não existe fórmula, mas existe uma sensibilidade a ser desenvolvida.
Por fim, existem pessoas focadas. Sempre lembro de uma tia-avó que, em todos os aniversários, trazia a mesma coisa: uma bola embrulhada. Eu e meus irmãos sabíamos: ano após ano, lá estava ela, constante como o relógio-cuco da nossa casa, segurando a indefectível bola. Diante do pacote esférico, ela perguntava: adivinha o que eu trouxe? Nós fingíamos dúvida e abríamos com falsa avidez. Uma bola! Que bom! Era um ritual simpático da nossa infância.
A Bíblia define que ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida pelo outro. O segredo está nessa ideia. O presente deve ter sua vida em diálogo com a vida do outro. Dar-se é uma grande dádiva. O bom presente é uma via dupla e alegra o que oferta e o que recebe. É um gesto de comunhão e de afeto.
Já pensou em dar algo imaterial e precioso como sua atenção total? Ofereça um jantar e não leve seu celular. Siga com genuíno afeto tudo que ela ou ele fala e esteja inteiro na conversa. É um presentão! O resto são pacotes...

Leandro Karnal

http://cultura.estadao.com.br/colunas/leandro-karnal