Eu acredito que nós estamos gritando desesperadamente para sermos
observados. Eu acredito que nós estamos nos sentindo muito solitários. Eu
acredito que nós potencializamos o eu, mas atomizamos, se preferirmos a
metáfora física. Ou capilarizamos, se preferirmos a metáfora biológica.
Nós temos, desde a invenção da imprensa, no século 15, na Alemanha, a
invenção da grande imprensa, nos séculos 19 e 20; a televisão, no século 20, o
rádio no século 20. Nós temos um crescimento gigantesco na capacidade de
comunicação com o grande público. Ainda estamos lidando com estes fatos, mas
sem sombra de dúvida as pessoas estão dando opinião de tudo e isso é um bom
exercício.
A pergunta é se alguém está ouvindo a opinião alheia, se alguém está
lendo a dos outros? Se eu tiver 35 grupos de WhatsApp: família,
amigos, emprego, festas, etc.; se eu tiver três contas no Instagram;
se tiver quatro contas no Face, inclusive um fake para
sacanagem. Se tiver tudo isso, quem eu estou lendo de fato, se o meu tempo é
consumido pela atualização destas questões?
Eu, como pessoa mais velha, assisti ao nascimento do celular, assisti ao
nascimento do computador pessoal, ouvi tocar o primeiro celular em sala de
aula. Os jovens não sabem disso, mas não havia celular antes. Eu sei que essa
ideia é… é uma ideia muito extraordinária. E como dizem algumas alunas:
– Eu não posso desligar, professor, eu tenho filho.
Como será que nossas mães nos criaram sem o celular? Minha preocupação
não é com a tecnologia. Uso o celular e gosto muito, ele é útil, e ele resolve
muitas coisas para mim. A minha preocupação não é tirar ou reforçar o celular,
é secundário… A minha preocupação é quem sou eu que preciso estar presente em
tantos personagens, em tantos lugares, para que tanta gente me veja?
Quando eu falo, às vezes, na televisão, e essa televisão tem interação
via redes sociais, eu tenho a sensação que ninguém me escuta, eu tenho a
sensação que muitos telespectadores estão casados comigo; não me escutam e não
temos sexo. Ou seja, é um casamento absoluto. Eu tenho a sensação que cada um
emite a sua opinião imediatamente quando identificam que eu disse alguma coisa.
E graças a isso vão mandando mensagens. Mandando mensagens… A participação é
muito boa e quando eu escuto, interajo, ela é fundamental.
Nós temos a chance de uma virada. Vou usar uma palavra mais difícil:
epistemologia do século 21 em que o conhecimento atingiu um novo patamar de
validação. Temos a chance, mas isso ainda não ocorreu. Nós não estamos
brilhantes ou mais produtivos do que há trinta anos. Apenas estamos
incrivelmente mais ocupados com o mundo virtual. Eu saí com uma profissional de
arquitetura que fazia um trabalho pra mim e ela sentou comigo para jantar e
discutir um problema de reforma; ela atendeu o celular. Eu fiquei esperando.
Certamente era algo grave. Começamos a conversar, ela atendeu novamente. Eu
esperei. Certamente era algo gravíssimo que impedia a nossa reunião. Na
terceira vez, tocou o celular. Era eu ligando para ela. E dizendo para
ela: já que você prefere pelo celular, vamos ter a reunião assim. E tivemos. E
foi uma reunião produtiva. E o celular dela não tocou mais. Porque nós tivemos (a
reunião).
É uma questão de escolha. Me preocupa que a realidade virtual se
sobreponha à realidade real. Me preocupa isso. Mas é provável uma preocupação
de idade. Não que seja uma preocupação de criança ou jovem. Isso vai
passar. Me preocupa que realmente a fala reflexiva que é o tom da fala de
Hamlet tenha desaparecido. E a fala informativa esteja dominando. Como diz um
filme sobre a dificuldade de Shakspeare. O problema de Shakspeare é que ele
nunca diz: vai daqui prá lá. Shakspeare diz: “Toma das asas de mercúrio e passa deste ponto àquele outro onde o sol
se põe”.
As metáforas, as interpolações, os adjuntos, os apostos, os vocativos
shakspearianos tornam complicadas as frases reflexivas. Porque a frase
reflexiva pressupõe pensar no que estou dizendo. E quando eu penso no que estou
dizendo, curiosamente, eu digo menos, que é mais significativo. Quando eu não
penso no que estou dizendo eu digo mais coisas porque elas perderam o sabor.
E se tornam num quilo. Apesar do restaurante por quilo ser uma maravilha
ele reduziu todos os alimentos a um mesmo sabor. O chuchu, a vitela, o purê, o
milho, a alface, todos têm o mesmo gosto. E se não são os onze quando são
colocadas, três, pelos menos, certamente têm o mesmo sabor. As pessoas
põem um pouco de cada como se fizesse qualquer diferença o frango, o peixe ou a
carne. E escolhem a ervilha como quem escolhe pérolas, uma por uma e colocam,
delicadamente, no seu prato. Eu fico pensando, é tão sem graça essa comida. Eu
tenho que ter muito cuidado ao comer para me sentir comendo alguma coisa. Ou
seja, quando eu não tenho sabor nas coisas que eu vivo e faço eu multiplico as
coisas que eu vivo e faço. E falo mais e saio mais e faço mais festas e
tenho mais amigos, viajo e não paro de viajar, porque como eu não consigo estar
comigo, quero estar em todos os lugares do mundo.
Eu não tolero estar na minha casa. Sou pensativo, então eu tenho que
estar no estresse do aeroporto. E visitando. Você foi à Argentina, foi à Buenos
Aires, foi à Córdoba? Você conhece Salta? Ah, Salta eu não conheço. Então
vamos à Salta neste momento. Agora eu fui a Salta. E a Patagônia? E Mar Del
Plata? Ou seja, é uma vida. Uma vida para rodar, rodar, até que fique tão longe
que eu perca a consciência de mim mesmo. Por isso que nós viajamos mais do que
jamais viajamos no passado. Porque nós não vemos mais nada. E batemos fotos que
vão para o computador e não vão ser vistas por ninguém ou você envia cópias
para dez mil pessoas que não vão ver ou vão ter inveja de eu estar viajando e
vão responder apenas: kkkk.
Ou seja, este é o vazio que o Hamlet estranharia, já que o Hamlet faz
toda a peça dele, a mais reduzida de todas, num único espaço da corte. Num
único espaço de Elsinore, em salas do palácio e dali apenas, eles falam de uma
viagem à Inglaterra, de navio e de uma ida a Paris. Mas toda peça se
passa ali, porque a casca de noz de Hamlet é suficiente reinado; é suficiente
para ele.
Leandro Karnal
Nenhum comentário:
Postar um comentário